Se antigamente o desfile do bloco As Muquiranas era aguardado por conta da sua irreverência e alegria, hoje em dia a passagem dos foliões travestidos causa diversos problemas, que vão desde a quebra de ponto de ônibus no Campo Grande até episódios de assédio e agressões contra as mulheres durante a folia.
Entre as vítimas está a doutoranda em literatura na Universidade Federal da Bahia (Ufba) e ativista do Movimento Negro Unificado, Samira Soares, que, junto com um grupo de amigas, passou pela “pior experiência do Carnaval de Salvador”.
Ela conta que além de serem molhadas pelos integrantes da agremiação com as famigeradas pistolas d’água – que já se tornaram marca registrada do bloco -, também foram agredidas verbal e fisicamente. O episódio ocorreu no Circuito Osmar (Campo Grande).
“Ao chegarmos no Campo Grande, ficamos presas em frente ao bloco e viramos as costas para não sermos atacadas, mas não adiantou. Em grupo, as agressões começaram. Diante de tantas campanhas por respeito, combate ao assédio às mulheres no Carnaval, por que manter um bloco que nos violenta?”, indagou Samira, que também é influenciadora digital e mantém a página @narrativasnegras no Instagram.
Ela disse também que contou com a ajuda dos cordeiros para se livrar das agressões. “Se não fossem os cordeiros, iriam nos agredir ainda mais. Até quando seremos violadas na nossa cidade? O que precisará acontecer para esse bloco ter a devida punição? Homens vestidos de mulheres que odeiam mulheres – é o que se vê no Carnaval de Salvador”, ressaltou.
Samira também relembrou uma campanha realizada em 2018, com a hashtag #UmCarnavalSemMuquiranas, e enfatizou que mesmo após cinco anos, os relatos demonstram que o problema segue.
A influenciadora disse ainda que mesmo com o bloco afirmando que os foliões assinam um termo e se responsabilizam pelo uso das pistolas de água e qualquer outra agressão, os integrantes não ficam coibidos.
Após o episódio – compartilhado por Samira nas redes sociais -, ela contou que recebeu grande número de apoios, mas afirmou que também tem sido “alertada” de que o bloco teria uma maioria de policiais. Mas a influenciadora ressalta que isso “não invalida a denúncia e nem as deixará em silêncio”.
“Todas nós estamos amparadas no âmbito jurídico para lidar com mais essa situação de violência e felizmente já estamos sendo acompanhadas por companheiras que chegam junto”. Ela também agradeceu às mulheres que se solidarizaram e prestaram apoio. “Juntas, somos muito mais fortes”, frisou.
Pesquisasora defende ressocialização
Para a pesquisadora e professora Maíra Kubik, do Departamento de Estudos de Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia (Ufba), o principal problema com o bloco As Muquiranas é o comportamento dos seus participantes.
“O que vemos na avenida são relatos de assédio, sofrido em especial por mulheres cisgêneras e transgêneras. Eles são muito violentos. São agressores e devem ser tratados como tal. Nesse sentido, devem ser responsabilizados, responder por isso perante a sociedade. E, acredito, têm que passar por um processo de ressocialização, como outros homens agressores”, declarou ao Portal M!.
Na avaliação da professora, não é necessário que o bloco “acabe”, mas sim que haja uma mudança efetiva. “Queria ver a diretoria desse bloco propor um processo formativo para os participantes. Comprou o abadá? Então vamos conversar sobre assédio, sobre violência sexual, sobre desrespeito. Carnaval tem que ser sobre alegria, e não sobre violência”, defendeu.
Maíra também lembrou que, na terça-feira (21), passou pelo trio na concentração, após deixar a pipoca de Daniela Mercury. Ela relatou que caminhou o “mais rápido” possível, enquanto torcia para “não acontecer nada”. De acordo com ela, a atitude ocorreu em função de episódios que presenciou em outros carnavais.
“Já vi grupos de Muquiranas jogando água nos olhos das mulheres e aproveitando o momento que elas se assustavam para passarem as mãos em suas partes íntimas. Mas é importante registrar que isso não tem a ver só com as Muquiranas: eles são só um exemplo de comportamento extremado do que já ocorre cotidianamente em nossa sociedade. Só que no Carnaval o clima de ‘pode tudo’ se amplifica”, ressaltou.
Repúdio da comissão da Câmara
A Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara de Salvador manifestou profundo repúdio à agressão de foliões do bloco As Muquiranas contra mulheres durante o desfile nos circuitos do Carnaval.
Em um vídeo que circula pelas redes sociais e divulgado pela mídia tradicional, é possível ver quando uma mulher é empurrada diversas vezes e atingida por esguichos de água por vários homens que a cercam.
Já a presidente da Fundação Nacional de Artes, Maria Marighella (PT), defendeu mudanças na apresentação no bloco durante o Carnaval de Salvador.
“O que não cabe mais precisa ser transformado”, escreveu a petista, no Twitter. Vereadora licenciada de Salvador, Marighella continuou: “Quando a performance pública de um bloco – de homens – no Carnaval está amparada no vestir-se de mulher para naturalizar o ataque a mulheres, precisamos repensar seus sentidos”, defendeu.
“Quando uma tradição está fundada na misoginia, na cultura da violência e da LGBTQIAPN+fobia, ela precisa ser discutida coletivamente”, comentou Maria Marighella.
Quem também se manifestou foi a secretária LGBT do PT Salvador, Petra Perón. Por meio de publicação nas redes, Petra afirmou que a meta é “acabar com o bloco As Muquiranas”.
“Os relatos de violações de direitos contra as mulheres e nós, LGBTQIAP+, só aumentam. Vídeos compartilhados nas redes sociais são gatilhos de cenas que se repetem todos os anos. Chega de violência gratuita e naturalizada!”, disse.
As cenas envolvendo o bloco também foram alvo de críticas da presidente da Comissão de Direitos Humanos e de Defesa da Democracia da Câmara Municipal de Salvador, a vereadora Marta Rodrigues (PT). Segundo ela, é preciso que medidas rígidas sejam tomadas para que casos como os que vem sendo relatados não voltem a ocorre no próximo Carnaval.
“É inadmissível que a gente tenha que assistir a repetição destas cenas grotescas e absurdas em todo Carnaval”, afirmou.
A parlamentar ressaltou que o bloco precisa adotar providências de forma urgente, sob pena de acabar extinto do Carnaval.
“Estamos cansadas de tanto machismo, misoginia e LGBTfobia que presenciamos e somos vítimas por associados deste bloco. Isso não é cultura, não é tradição na festa que deveria ser de paz, diversão e respeito. O bloco precisa tomar uma postura em relação a isso, orientar seus associados, fiscalizar, ou então tem que acabar. Não queremos mais apenas pedidos de desculpas. Queremos providências “, enfatizou.
Bloco se defende
Por meio de nota, publicada nesta quarta-feira (22) nas redes sociais, o bloco As Muquiranas afirmou ser contra “todo e qualquer tipo de violência, preconceito e assédio”. A instituição também lamentou “qualquer atitude que evidencie essas práticas”.
Na sequência, o bloco se colocou à disposição do poder público para fornecer informações sobre os associados do bloco que tenham envolvimento nos atos. O objetivo, segundo a nota, é colaborar para que sejam identificados e, em seguida, tomadas “as providências cabíveis”.
Sobre o episódio envolvendo o vandalismo contra um ponto de ônibus, o bloco sinalizou que vai identificar os foliões e “bani-los da rede de associados”. “Qualquer retaliação a partir daí, fica a critério das autoridades”, enfatiza a nota.
Outro ponto citado foi o uso da pistola d’água. Segundo o bloco, o item não é parte da fantasia. A direção destacou que fez campanhas contra a utilização do objeto. A nota aponta, no entanto, que não é possível “proibir que foliões vão para a Avenida portando o brinquedo, que é registrado pelo Inmetro e liberado para uso de crianças e, lamentavelmente, as pessoas compram no Carnaval para esse uso indevido”.
O bloco também afirmou ter buscado a Câmara Municipal de Salvador e o Ministério Público para a criação de uma lei, proibindo o acesso do item ao circuito.
“Nosso objetivo é que tratem a pistola d’água como um adereço que causa importunação, da mesma forma que proibiram o uso de bebidas em garrafas de vidro, pois podem virar arma branca”.
Por fim, o bloco sinalizou que vai novamente ao poder público pedindo a criação de uma lei proibindo o uso do item.
“O bloco Muquiranas é uma marca que existe há 56 anos e que tem o objetivo unicamente de integrar à alegria ao Carnaval de Salvador. Entendemos todas as revoltas com as atitudes por parte de alguns foliões, porém pedimos que tratem este como cidadão que escolhe ter essa postura, não somente dentro do bloco, e que punam e julguem os mesmos individualmente, sem generalizar que essa seja uma postura incentivada pela marca”, finaliza a nota.
FONTE: MUITA INFORMAÇÃO