São Paulo — A profilaxia pré-exposição (PrEP) é um método de prevenção contra o vírus HIV consolidado em todo o mundo. O uso diário de medicação oral é a opção mais popular, mas ainda esbarra no compromisso do usuário em tomar os comprimidos todos os dias. Os tratamentos injetáveis, por outro lado, podem ser feitos com o intervalo de meses, facilitando a adesão.
No Brasil, o cabotegravir é o primeiro medicamento de ação prolongada aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para prevenir a infecção pelo HIV. A bula indica a aplicação a cada dois meses.
Embora o registro da Anvisa tenha sido concedido em junho de 2023, ainda não há data para a chegada dele ao Sistema Único de Saúde (SUS). A farmacêutica britânica GSK, desenvolvedora da medicação, afirma que está em negociações com o Ministério da Saúde, mas o pedido ainda não foi enviado para a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec).
Segundo estimativas da empresa, a adoção do medicamento poderia representar uma economia de até R$ 14 bilhões ao longo de dez anos, ao evitar novas infecções e reduzir a demanda por tratamento. Ainda não há previsão para o início da oferta no Brasil.
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Injeção demonstra maior eficácia que pílula diária
Em um encontro com jornalistas em São Paulo, nessa quinta-feira (22/5), a farmacêutica apresentou os resultados de estudos com o cabotegravir injetável.
Os ensaios clínicos HPTN 083 e HPTN 084, conduzidos por uma rede internacional de pesquisa independente, mostraram que o cabotegravir é significativamente mais eficaz do que a PrEP oral. Em homens que fazem sexo com homens e mulheres trans, o risco de infecção caiu 69%. Em mulheres cis, a redução chegou a 90%.
“Esses números são impressionantes porque comparam o cabotegravir com uma estratégia que já funciona muito bem, que é a PrEP oral. Não é um placebo. Mesmo assim, os resultados foram tão bons que os estudos foram encerrados antes do previsto”, explica o infectologista Roberto Zajdenverg, gerente médico da GSK/ViiV Healthcare.
No Brasil, uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apresentada em março de 2025 também reforçou a alta aceitação do medicamento. O estudo, com cerca de 1,4 mil participantes em seis centros do país, mostrou que, quando tinham a possibilidade de escolher, a maioria preferiu o injetável à pílula diária.
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HIV é a sigla em inglês do vírus da imunodeficiência humana. O causador da aids ataca o sistema imunológico, responsável por defender o organismo de doenças. Os primeiros sintomas são muito parecidos com os de uma gripe, como febre e mal-estar. Por isso, a maioria dos casos passa despercebida
Arte Metrópoles/Getty Images2 de 13
A baixa imunidade permite o aparecimento de doenças oportunistas, que recebem esse nome por se aproveitarem da fraqueza do organismo. Com isso, atinge-se o estágio mais avançado da doença, a aids
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Os medicamentos antirretrovirais (ARV) surgiram na década de 1980 para impedir a multiplicação do HIV no organismo. Esses medicamentos ajudam a evitar o enfraquecimento do sistema imunológico
Hugo Barreto/Metrópoles4 de 13
O uso regular dos ARV é fundamental para aumentar o tempo e a qualidade de vida das pessoas que vivem com HIV e reduzir o número de internações e infecções por doenças oportunistas
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O tratamento é uma combinação de medicamentos que podem variar de acordo com a carga viral, estado geral de saúde da pessoa e atividade profissional, devido aos efeitos colaterais
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Em 2021, um novo medicamento para o tratamento de HIV, que combina duas diferentes substâncias em um único comprimido, foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
Hugo Barreto/Metrópoles7 de 13
A empresa de biotecnologia Moderna, junto com a organização de investigação científica Iavi, anunciou no início de 2022 a aplicação das primeiras doses de uma vacina experimental contra o HIV em humanos
Arthur Menescal/Especial Metrópoles8 de 13
O ensaio de fase 1 busca analisar se as doses do imunizante, que utilizam RNA mensageiro, podem induzir resposta imunológica das células e orientar o desenvolvimento rápido de anticorpos amplamente neutralizantes (bnAb) contra o vírus
Arthur Menescal/Especial Metrópoles9 de 13
Nos Estados Unidos, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças aprovou o primeiro medicamento injetável para prevenir o HIV em grupos de risco, inclusive para pessoas que mantém relações sexuais com indivíduos com o vírus
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O Apretude funciona com duas injeções iniciais, administradas com um mês de intervalo. Depois, o tratamento continua com aplicações a cada dois meses
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O PrEP HIV é um tratamento disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) feito especificamente para prevenir a infecção pelo vírus da Aids com o uso de medicamentos antirretrovirais
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Esses medicamentos atuam diretamente no vírus, impedindo a sua replicação e entrada nas células, por isso é um método eficaz para a prevenção da infecção pelo HIV
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É importante que, mesmo com a PrEP, a camisinha continue a ser usada nas relações sexuais: o medicamento não previne a gravidez e nem a transmissão de outras doenças sexualmente transmissíveis, como clamídia, gonorreia e sífilis, por exemplo
Keith Brofsky/Getty Images
Epidemia de HIV
A epidemia de HIV ainda é um desafio no Brasil. Só em 2023, mais de 46 mil novos casos da infecção foram registrados, segundo dados do Ministério da Saúde. Ao todo, mais de 900 mil pessoas vivem com o vírus no país, a maioria em tratamento pelo SUS, com medicamentos que impedem a progressão da doença e evitam a transmissão.
Apesar dos avanços no cuidado com quem já tem HIV, o número de novas infecções segue alto. Para especialistas, esse cenário mostra que as estratégias de prevenção precisam ser ampliadas e adaptadas às necessidades reais da população.
Atualmente, o principal método de profilaxia é a PrEP oral — um comprimido tomado todos os dias por pessoas que não têm o vírus, mas se sentem em risco. É um recurso eficaz, mas que esbarra em dificuldades de adesão.
“Parece simples tomar um remédio diariamente, mas a maioria das pessoas esquece. Isso acontece com qualquer tratamento contínuo”, diz o infectologista Roberto Zajdenverg.
Além disso, a PrEP oral sob demanda, usada por homens que fazem sexo com homens, não é indicada para mulheres, pois os estudos não confirmam proteção adequada. “É por isso que precisamos de mais opções. Prevenção não é uma solução única”, afirma Roberta Corrêa, diretora da Unidade de HIV da GSK/ViiV Healthcare.
Mais acesso, mais liberdade
Hoje, cerca de 700 mil brasileiros estão em tratamento para o HIV. “Conviver com o HIV transforma a forma como nos relacionamos, vivemos nossa sexualidade e fazemos escolhas. Por isso, ele não deveria mais estar aqui”, ressalta Roberta.
Zajdenverg reforça que o caminho para isso é a prevenção combinada, que envolve diferentes estratégias funcionando juntas, como o uso de preservativos, PrEP, PEP (profilaxia pós-exposição), testagem regular e tratamento que mantém a carga viral indetectável.
“Não é sobre eliminar completamente o vírus, mas reduzir tanto a transmissão que ele deixe de ser um problema de saúde pública”, finaliza.
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