Ao longo de quatro horas de interrogatório no Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-ajudante de ordens Mauro Cid confirmou que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) editou a minuta de um decreto golpista que previa, entre outras medidas, a prisão do ministro Alexandre de Moraes e a reversão do resultado das eleições de 2022. Os trabalhos prosseguem na terça-feira (10/6) com início previsto às 9h, com o depoimento do ex-comandante da Marinha Almir Garnier.
Cid, delator da suposta trama para manter Bolsonaro no poder, afirmou já no início da audiência que confirmava integralmente o conteúdo da delação premiada firmada com a Polícia Federal (PF). Ou seja, tudo que foi dito por ele na produção de provas, para ele, é verídico.
Acompanhado por dois advogados, o tenente-coronel foi interrogado primeiro por Moraes, relator da ação penal. Demonstrando nervosismo, Cid gaguejou, fez pausas prolongadas e teve a voz embargada em vários momentos. Cid, ainda assim, respondeu a todas as perguntas — o que é obrigatório para quem firma acordo de colaboração premiada.
Crimes pelos quais os réus são acusados:
- Organização criminosa armada;
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
- Golpe de Estado;
- Dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, com considerável prejuízo para a vítima;
- Deterioração de patrimônio tombado.
O militar relatou que Bolsonaro considerava a possibilidade de encontrar provas de fraude eleitoral e, assim, tentar convencer as Forças Armadas para intervir, acolhendo um golpe de Estado.
“Não era algo tão explícito assim [as conversas por golpe], tanto é que comentei que isso era a minha visão dos fatos. Sempre se teve a ideia de que até o final do mandato, apareceria uma fraude real nas urnas, mas não conseguiu se comprovar nada”, disse.
Segundo Cid, Bolsonaro revisou e alterou a minuta que visava anular o pleito que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O documento previa a criação de uma comissão eleitoral e a prisão de autoridades, como o então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), e ministros do STF — inclusive Moraes.
“De certa forma, ele enxugou o documento, retirando autoridades das prisões, ficando somente o senhor como preso. O resto…”, disse Cid, arrancando uma resposta irônica de Moraes: “O resto foi conseguindo um habeas corpus”.
Outro trecho relevante do depoimento envolveu um documento apelidado de “Copa 22”, que, segundo Cid, tratava de gastos com deslocamento de pessoas a Brasília e havia sido discutido na casa do general Braga Netto. A peça, conforme a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), mencionava o assassinato de Lula, Moraes e do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB). Cid afirmou que o documento citava passagens aéreas, hotel e alimentação para cinco ou seis pessoas, mas negou ter repassado o conteúdo.
“O documento que eu recebi com nome Copa 22 continha ali passagem aérea, hotel, alimentação. Coisa para cinco, seis pessoas, no máximo, e ir para Brasília. Não tinha nenhum tipo de detalhamento que iam fazer, onde iam ficar. Hotel, passagem aérea, dinheiro para alimentação. Coisas do dia a dia. Não repassei para ninguém [o documento]. Não me lembro se imprimi para mostrar para o coronel, tesoureiro do PL [Partido Liberal], ou se mostrei no próprio computador ou no celular para ele dar uma olhada nas necessidades que eles tinham necessitado”, descreveu Cid.
Questionado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, sobre uma foto da minuta golpista parcialmente encoberta por um papel, Cid alegou não saber quem fez o registro e negou ter tido acesso físico ao documento. “Não me lembro quem mandou. É um documento mal escrito. Mas não fui eu quem tirou a foto.”
Durante o intervalo da audiência, Bolsonaro afirmou a jornalistas que não acredita que será condenado. “Não vou ser condenado”, disse, acrescentando que “estou bem, estou tranquilo. Mas é lógico que ninguém queria estar aqui.”
Garnier era um dos mais radicais
Cid afirmou que não havia grupos organizados discutindo o golpe, mas pessoas do governo que levavam propostas a Bolsonaro. Ao ser perguntado por Moraes quais réus ali presentes atuaram a favor da tentativa de golpe, respondeu apontando alguns nomes.
“Os grupos não eram organizados. Era cada um com sua ideia. Não existia uma organização e nem reuniões. Não eram grupos organizados que iam junto ao presidente. Eram pessoas que levavam ideias. Tinham dos mais conservadores aos mais radicais”, afirmou.
O ex-ajudante classificou o almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha, como “um dos mais radicais”. Por outro lado, disse que o general Braga Netto e o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira tinham uma postura mais moderada. Sobre os demais réus, afirmou que não estavam ligados a nenhum grupo específico.
Confira fotos da sessão:
Defesa
Quando o ministro Moraes e o procurador-geral encerraram as perguntas, a defesa de Cid fez apenas uma indagação. O advogado Cezar Bitencourt questionou se Bolsonaro havia expressado o desejo de se manter no poder após a derrota para Lula.
Cid respondeu que a grande preocupação de Bolsonaro “sempre foi encontrar uma fraude nas urnas”. “A grande preocupação do presidente, no meu ponto de vista, sempre foi encontrar uma fraude nas urnas. Algo que sempre foi muito ostensivo. Ele sempre buscou uma fraude nas urnas”, criticou.
“Não vou ser condenado”
Durante o intervalo da audiência, Bolsonaro afirmou a jornalistas que não acredita que será condenado. “Não vou ser condenado”, disse, acrescentando que “estou bem, estou tranquilo. Mas é lógico que ninguém queria estar aqui.”
Já ao fim, o advogado Celso Vilardi, que representa o ex-presidente, criticou Mauro Cid: “Tem uma memória seletiva. Quando confrontado, diz que esqueceu”, afirmou o defensor ao final da audiência.
Interrogatórios
Moraes reservou todos os dias desta semana para os interrogatórios. Nas datas em que o STF não tiver sessões plenárias à tarde, as audiências se estenderão até mais tarde. Nesta terça-feira (10/6), por exemplo, os trabalhos começam às 9h e seguem até as 20h. A mesma previsão vale para a sexta-feira (13/6). Veja o calendário abaixo:
- 10/6 – das 9h às 20h;
- 11/6 – das 8h às 10h;
- 12/6 – das 9h às 13h; e
- 13/6 – das 9h às 20h.
Dinâmica dos interrogatórios
Os réus ficam sentados na primeira fileira de cadeiras. O local de assento é de acordo com a ordem alfabética. A dinâmica dos interrogatórios seguirá o seguinte protocolo: o réu dirige-se ao banco diante dos ministros acompanhado de seu advogado, é interrogado e, ao fim, retorna ao assento.
A ordem das oitivas, no entanto, já foi definida: após Garnier, que será ouvido nesta terça, é o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, seguindo a ordem alfabética (veja abaixo).
- Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha;
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal;
- Augusto Heleno, general do Exército e ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional;
- Jair Bolsonaro, ex-presidente da República;
- Paulo Sérgio Nogueira, general do Exército e ex-ministro da Defesa; e
- Walter Souza Braga Netto, general do Exército ex-ministro da Casa Civil.
Diferentemente das audiências das testemunhas de acusação da PGR e das testemunhas de defesa, que ocorreram sem transmissão, os interrogatórios dos réus serão exibidos pelo canal do Metrópoles no YouTube. Todos os réus estão intimados a comparecer presencialmente em todos os dias das audiências, com exceção de Braga Netto, preso preventivamente no Rio de Janeiro.
Denunciados
Os investigados foram denunciados pela PGR por participação em suposta trama golpista para manter Bolsonaro no poder após as eleições de 2022. A denúncia foi aceita por unanimidade, e a Primeira Turma analisa o caso por meio de ação penal.
Compõem a Primeira Turma: Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.